"Felicidade por um Fio" Um filme que aborda a transição capilar - e da vida
Sou de uma "época" em que não existiam muitas mulheres que fossem reconhecidas na sociedade como incríveis sendo cacheadas ou crespas. O modelo era ser alisada a todo custo. E quem não estivesse nessa vibe tinha sempre um para induzir a dar aquela esticada nos fios.
O cabelo crespo era sinônimo de descuido, de pobreza, de desvalorização. Raras eram as mulheres que se destacavam.
Horrível, né? Mas é real.
Os ícones pretos que existiam, em sua maioria, eram estrangeiros. Precisavam ser fenômenos para ter relevância.
Esse movimento de valorização do cabelo natural é bem recente visto toda carga histórica desfavorável que temos. O termo "cabelo duro" sempre foi usado com um peso muito negativo. Hoje, ter um cabelo étnico é sinônimo de poder, de enfrentamento, de uma posição difícil de voltar atrás depois que você conquista. Ainda temos muito a evoluir, eu sei. Mas já foram dados alguns passos.
Tudo isso pra contextualizar sobre um filme que vi recentemente. Ele é de 2018. Sim, tô bem atrasada (como sempre). Confesso que paro pouco na frente da TV pra assistir qualquer coisa, mas esse filme me chamou a atenção. "Felicidade por um fio" (Nappily Ever After) retrata a história de uma mulher negra, bem sucedida, poderosa, maravilhosa que teve uma vida privada de diversão para ser perfeita. CONTÉM SPOILER
Sua mãe desde nova a doutrinou para ser impecável. É aquilo que falei anteriormente, de ter que ser acima da média para obter o reconhecimento.
Não podia cair numa piscina, não podia pegar uma chuva, não podia deixar ninguém pegar no seu cabelo, não podia tomar um banho com o namorado, não podia nem se libertar na hora do "vamos ver". A bicha acordava antes do cara para poder colocar todos os fios no lugar. Pense! Sem condições.
Pois bem... Claro que um dia deu ruim. O namorado acabou frustrando a expectativa dela de ser pedida em casamento. A alegação é que ele não aguentava tanta "perfeição", logo a relação acabou ali mesmo. A mulher ficou como? Revolts tiririca da serra. Ela, que talhou sua vida na perfeição viu tudo desmoronar. Relacionamento, trabalho, auto estima e, quem diria, até seu cabelo se foi.
E é aí que pra mim, de fato, o filme começa.
Tem uma trama romântica que motivou a transformação. Numa noite pós bebedeira, misturada a decepção com ex-futuro-noivo, ela inventou de raspar a cabeça. Um momento de finalização de um modo castrador pelo qual ela seguiu desde a infância. O cabelo alisado que se foi permitiu que ela entendesse toda sua caminhada até ali. E o quanto aquela liberdade era o que ela precisava para dar um novo rumo em sua vida.
Ela ficou frágil, envergonhada, incapaz de encarar o mundo como antes. Daí em diante foi toda uma reconstrução até se sentir bem novamente.
Achei muito significativo porque a transição capilar nada mais é do que isso: um encontro com você mesma. Um embate com suas próprias negações, travas, preconceitos. Vai muito além do cabelo. Toda aquela construção "aceitável" da sociedade vai se quebrando. Os questionamentos surgem e com eles vários "serás".
- Será que vou conseguir encarar o processo todo?
- Será que vai ficar bonito?
- Será que meus amigos vão gostar?
- Será que vão implicar no meu trabalho?
- Será que minha família vai estranhar?
- Será que vou saber cuidar?
- Será que ele/ela vai curtir?
E tantos outros serás.
Te pergunto: se não fosse tudo isso a sua volta seria mais fácil pra você?
Porque sim! Vai ter dia em que você vai querer raspar a cabeça, no outro dia querer um capacete emprestado, naquele outro chorar antes "daquele encontro tão esperado", sentir raiva quando te perguntarem se você está sem dinheiro pra "cuidar do cabelo" e por aí vai...
É necessário um silenciamento do externo para que você possa ouvir o que passa aí dentro. O importante é que essa fase vai passar. Escolha sua em seguir ou não nessa decisão.
Se desistir? Tá tudo bem. Mesmo! ; )
Se quiser seguir entenda que os momentos de revolta capilar vão existir mas que só assim pra você começar a entender como ele funciona. Descobrir o que vai melhor nele, o que não. É malcriado que nem criança. O bom é que ele cresce também.
A alegria de ver seu cacho se formando na raiz, crescendo, não tem preço. Cada curvinha é uma descoberta, a possibilidade de se renovar, mudar, se gostar de verdade. Se tiver coragem vá fundo!
Vai por mim: é transformador.
Trailler dublado
Link para assistir na Netflix (precisa ser assinante) https://www.netflix.com/br/title/80189630
"Felicidade por um Fio" (Nappily Ever After)
Um filme de Haifaa Al Mansour com Sanaa Lathan, Ricky Whittle, Lyriq Bent, Lynn Whitfield.
Sobre a Crespa
Claudia Montelage é cantora, botafoguense, libriana, sócia da Dois Versos e desde de 2012 pilota o blog "Eu Sou Crespa". Resenhas, tendências, transição, indicação de salões e profissionais, exemplos reais, aceitação e valorização do cabelo natural fazem parte dos temas abordados nesse espaço dedicado aos cabelos crespos e cacheados.!
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